terça-feira, outubro 10, 2006

MIBS - Homens de Preto


A equipe Fothern de jornalismo cultural conseguiu juntar dois dos maiores ícones da filosofia contemporânea brasileira num pingue-pongue sobre as origens do desconhecido numa ótica neo-humanista. Acompanhe nas linhas abaixo, os Homens de Preto Paulo Joelho e Marcia Bituri num diálogo franco e simples que trará luz às nossas parcas cabeças animais.

Marcia - Bah Paulo! Que saudade tri grande de ti! Barbaridade aqueles nossos Onze Minutos em 2003.
Paulo - Verdade Marcia. Mas é estranho ver você falando com esse sotaque do sul. No saia justa você é bem paulista.
Marcia - Discordo. Acho que tu não conhece bem as gurias. Mas tudo bem, esse papo vai ser por escrito mesmo, podemos falar sem tecla sap.
Paulo - Concordo. Mas do que mesmo estávamos falando? Tomei um tarja preta com vodka pra aturar essa conversa.
Marcia - Acredito que não achei graça nessa sua intensão de piada.
Paulo - Falei sério.
Marcia - Ah bom.
Paulo - Vi você falando no Saia Justa que você é homem. Quem fez sua cirurgia?
Marcia - Uma ex-namorada. Ficou bom né?
Paulo - Não sei. Parece que falta alguma coisa...
Marcia - Discordo. Antes sobrava, agora está certo. E o que é a falta, se não a expectativa existente no outro sobre o que seria uma ausência permanente no objeto de desejo, no caso, eu, de uma transposição lacaniana da perenidade existencial?
Paulo - Na verdade acredito que a experiência estética da ausência perpassa os postulados do sonho de Platão e vai de encontro aos estudos sobre metafísica e psicologia de Aristóteles.
Marcia - Não concordo exatamente com esse princípio. Em minha tese de doutorado em filosofia, provei que Aristóteles era uma fraude.
Paulo - Mas o que é fraude? Doutorado, você?
Marcia - fraude é uma adulteração. Claro. Onde acha que aprendi a cozinhar?
Paulo - Não sei, mas acho bom fazer gastronomia da próxima vez. Aquele assado estava uma merda.
Marcia- Não era assado. Era estrogonofe!
Paulo - Então estava ótimo.
Marcia - Paulo, você já comprou o cd do Fernando?
Paulo - Que Fernando?
Marcia - O Oiapoque, ora. Meu Oiapoque.
Paulo - Não. É bom?
Marcia - Não. Mas ele tá precisando de grana. Tem só uma música linda que ele fez pra mim.
Paulo - Essa música eu conheço. É a canção de amor para Márcia, não é?
Marcia - Nossa! como você descobriu?
Paulo - Desde que o Raul morreu não fumo mais maconha.
Marcia - É muito boa a música...
Paulo - Para falar a verdade, ao ouvi-la, na margem do rio piedra eu sentei e chorei.
Marcia - É muita emoção...
Paulo - Não, sua maluca. É ruim pra caralho!
Marcia - Discordo.
Paulo - Foda-se. Tantricamente, mas foda-se.
Marcia - Você está passando dos limites. Vou chamar a Ana Gasolina!
Paulo - É mais fácil de encarar que você, sua pedante. Gosto de superar limites. Precisa ver o saldo devedor do meu cartão de crédito.
Marcia - Xi... Qual é, o seu escritorzinho de auto-ajuda?
Paulo - Eu me basto. Escrevo primeiro para meu próprio auto-conhecimento.
Marcia - Será que me expressei mal ou você não entendeu a pontuação?
Paulo - Mas o que é a pontuação se não um conjunto de pontos que vamos adquirindo ao longo da vida? é preciso ser como um rio que flui. Um Tietê ligado ao Tejo através do Pacífico, a ilusão da simplicidade do eu. O Eu é o somatório dos eus que interagem com os eus de cada eu.
Marcia - Discordo. Acho que você olha e na verdade, não vê.
Paulo - A diferença entre ver e olhar é tanto uma distinção semântica que se torna importante em nossos sofisticados jogos de linguagem tomados da tarefa de compreender a condição humana, quanto um lugar comum de nossa experiência.
Marcia - Porra, fui eu que disse isso.
Paulo - O pensamento é do mundo. É energia em movimento. O que você pensa que é seu, não é. Não há colher onde há colher, entende?
Marcia - Acho que não. Mas discordo. A Canalização é um processo de comunicação espiritual que irá revolucionar por completo a humanidade neste século. E não me diga que quem disse isso foi você. O pensamento é do mundo, entende?
Paulo - É. Mas esse é meu mundo. Pensei nisso enquanto dava uma cavalgada na Walkíria.
Marcia - Como é o processo de criação dos seus personagens? Você sempre transa com eles?
Paulo - Só com os másculos. Walkíria é nome de guerra. Paul Valéry disse que uma obra de arte, como o caso de todos os meus livros, deve nos ensinar que não lemos aquilo que lemos. Que ler é não ler. Lacan disse que ler é perder. Perder algo da leitura, algo que contemplamos, por que jamais podemos contemplar o todo. O que se mostra só se mostra por que não o lemos. Neste processo está implicado o que podemos chamar o silêncio da leitura: abrimo-nos à experiência da criação no momento em que o objeto nos impede de criar. Um bom livro não nos deixa ler. Ele nos faz pensar no porque gastamos dinheiro na merda do livro. Então, olhamos para ele e lemos.
Marcia - Puta que pariu! Essa foi profunda. Mas parece que tenho uma certa familiaridade com essas suas palavras...
Paulo - Na verdade são suas, modificadas. Creative Commons, saca?
Marcia - Heim?
Paulo - Deixa pra lá, tenho que pegar o trem para minha próxima viagem.
Marcia - Vai refazer o caminho de Santiago?
Paulo - Não. Estou morando em Japeri. Meus livros encalharam nas bancas de jornal.